A Mary Rocha foi capa da revista MBA, revista online baseada na Nova Zelândia escrita para os brasileiros. Aqui ela conta um pouquinho da sua saga desde que saiu do Brasil e sobre o seu recente livro Big Blue.
Leia a entrevista na íntegra a seguir:
1) De onde você é do Brasil, quando veio para a NZ e por que? O que você fazia no Brasil antes de vir para cá?
Eu sou da capital de São Paulo e trabalhava numa empresa de consórcios como assistente de marketing havia 5 anos. Na época, eu queria ser gerente da área, minha formação era Comunicação Social, mas não conseguia enxergar muito progresso neste sentido. Além disso, tive um fim de relacionamento de 5 anos e este sentimento de estagnação me impulsionou a pedir para ser demitida da empresa e com o dinheiro retirado do FGTS resolvi investir num pacote de intercâmbio para aprimorar o meu inglês e voltar ao Brasil.
Na verdade não pensei na Nova Zelândia logo de início, e acabei indo para a África do Sul com planos de ficar no país por 3 meses. Mas quando cheguei lá e o mundo se abriu diante dos meus olhos, percebi que a minha trajetória não se resumia ali. Num certo dia o meu professor de inglês perguntou quais eram os planos depois da África e eu respondi que iria para a Nova Zelândia, pois tinha assistido um documentário sobre o país com Glória Maria do Fantástico. Até aquele momento não tinha dinheiro e nenhum plano para tal, mas a vida com suas reviravoltas e surpresas, me proporcionou a oportunidade de ficar na África por 1 ano, juntar dinheiro para, pelo menos, comprar a passagem e início de 2006 eu estava embarcando para a Nova Zelândia com a passagem aérea, USD100.00 no bolso e um namorado alemão mochileiro - que hoje é meu marido por 12 anos.
2) Me conte um pouco da sua trajetória na NZ, o que fez profissionalmente até chegar onde você está agora?
Cheguei com o visto de turista na Nova Zelândia e com um curso de inglês por 2 semanas. Assim, enquanto eu estava estudando, estava buscando emprego.
Eu estava determinada a trabalhar na área de turismo, pois no último semestre na África do Sul tive a oportunidade de trabalhar como recepcionista num hostel / backpacker. Amei a experiência, pois o meu inglês deu um salto e comecei a vender tours também. Eu comecei a minha “carreira no exterior” passando roupa, limpando casa e tinha sido garçonete na África do Sul, mas o hostel foi a melhor oportunidade que tive e eu sabia da importância de melhorar o meu inglês para conseguir melhores posições em qualquer lugar do mundo que eu decidisse ir. Estava cliente também que este mundo de hostel proporcionaria o meu contato diário falando inglês com gente do mundo inteiro, assim cheguei na Nova Zelândia focada nisso.
No início foi bem difícil, fiquei totalmente dependente do alemão que eu conhecia por menos de 3 meses. Ele bancou o aluguel e comida, pois os meus meros USD100.00 acabou em uma semana! Comecei a ficar desesperada porque não queria voltar para o Brasil, especialmente agora que tinha amado o país estava apaixonada pelo alemão! Na época não existia o Working Holiday Visa ou visto de estudante e ninguém queria me dar o visto de trabalho, pois achavam complicado. Porém, depois de um mês recebendo milhares de “nãos”, encontrei um dono de hostel que gostou do meu CV e do fato de eu ter trabalhado no hostel em outro país e me ajudou com o visto. Foi a benção que eu precisava, jamais esquecerei desta pessoa. Consegui o visto de trabalho por 1 ano. Depois de 3 meses no país, me casei com o alemão e começamos a pensar que não era hora de ir embora. Conseguimos a residência depois de 1 ano e meio por conta da profissão dele e logo em seguida eu resolvi montar a minha própria agência de intercâmbio e turismo: a NZEGA Education and Travel. Não havia ninguém fazendo na época e finalmente eu poderia ser gerente, mas desta vez do meu próprio negócio. A NZEGA está no mercado desde 2007.
3) Por que Christchurch? Você morou em outras cidades na NZ antes de ir para a Ilha Sul? Quais vantagens você encontrou em morar aí?
Quando decidi vir para Nova Zelândia, não planejei absolutamente nada. Não tinha noção das cidades. A única certeza que tinha é que o Brasil já não era mais o meu lugar. Tinha inclusive a proposta de voltar para a África do Sul e continuar trabalhando no hostel. Somente vim para Christchurch porque o alemão queria ser instrutor de snowboarding e Christchurch era uma opção legal pois tinha o murmurinho de cidade grande, mas com várias montanhas para esquiar bem próximas. Eu segui o conselho dele. E quando cheguei na cidade, meu largo sorriso abriu de lado a lado. A cidade era uma graça, estilo inglês, muitos jardins, ao redor da catedral havia muitos eventos, uma delícia. Eu tinha encontrado o meu lugar no mundo! Trabalhando no Base Hostel eu tive oportunidade de viajar muito e muitas vezes de graça. Consegui viajar o país inteiro, mas nenhuma outra cidade teve este impacto em mim. Foi daí que resolvemos comprar uma casa e se estabelecer no país.
Christchurch oferece teatros, shoppings, bares, restaurantes, mas também montanhas para fazer trekking ou esquiar no inverno e praia. Tudo muito próximo. Eu me lembro um dia que fui esquiar pela manhã e a tarde fomos almoçar na praia! Para mim estava perfeito. E mesmo a cidade ter sofrido dois terremotos, anos depois - que inclusive destruiu a minha primeira agência - não diminuiu o amor que tenho por Christchurch, como se tivesse nascido no local. Não consigo me ver morando em nenhum outro lugar na Nova Zelândia.
4) Como e de onde veio a ideia do livro?
Ainda na África do Sul eu já escrevia gigantes e-mails contando das peripécias do meu dia-a-dia no país. Na época não existia Facebook, era Orkut e ali eu postava fotos e quando dava, eu parava numa internet café para contar detalhadamente todas as situações embaraçosas e engraçadas que passei no país por conta da falta de inglês e de dinheiro. Foram muitos altos e baixos emocionalmente e desabafar, mesmo que via computador para a minha família e amigos era um alívio. E, por algum motivo, guardei todos estes e-mails numa pasta do hotmail, somente para recordação. Mas quando cheguei na Nova Zelândia, nos dias que estava de folga e o alemão estava trabalhando, resolvi transformar estes textos numa história. Me lembro de ficar horas e horas nas segunda-feiras escrevendo. Não conhecia muita gente, assim escrever ocupou meu tempo livre. Resolvi transformar o texto em um livro, mas iniciei, parei e iniciei muitas vezes.
O livro demorou 10 anos para ser finalizado e em Abril deste ano foi publicado por uma editora portuguesa. O lançamento aconteceu em São Paulo. Não existe palavras para identificar o sentimento quando vi o meu livro pronto, nas minhas mãos.
5) Me fale sobre o livro um pouquinho
O nome do livro é Big Blue que conta a minha experiência, uma mulher de quase 30 anos (na época), insatisfeita com trabalho, fim de relacionamento e a vida sem rumo na grande cidade de São Paulo que decide embarcar para uma nova jornada em outro país: África do Sul, apenas falando “I love whisky”. O livro é em primeira pessoa e tenho a chance de apresentar, de forma descontraída as minhas dificuldades, frustrações e situações embaraçosas vividas nessa aventura além-mar - que foi planejada para um mês, mas o destino tinha outros planos. Um dos examplos, foi a dificuldade em realizar um trabalho simples num restaurante, já que diferenciar "garfo" de "colher" no idioma inglês era quase uma missão impossível.
O leitor viajante ou comum facilmente se identificará em alguns momentos do livro, especialmente naqueles que enfatizo emoções, carências e ansiedades. Aliada à minha experiência na África do Sul, descrevo a cultura alegre e rica do povo africano, cito fatos sobre o racismo ainda presente (sem intenção de ser livro de história) e curiosidades sobre um dos lugares considerados mais belos e exóticos do mundo.
No geral, quero mostrar ao público em geral o poder de um sonho. Mostrar que é possível realizar o desejo de viver outras culturas sem necessariamente ter nascido em berço de ouro. Basta força de vontade, um pouco de sacrifício e espírito de aventura. Ainda que isso signifique viver numa barraca para juntar dinheiro e se manter no seu sonho – uma das histórias que conto no livro.
6) E os projetos para o futuro, o que a Mary tem planejado para os próximos anos?
No contrato que assinei com a editora diz que se o livro vender 3000 mil cópias, eles vão traduzir em inglês e espanhol e distribuir nos EUA e Reino Unido - e este é meu foco agora.
Continuarei tocando a NZEGA que encontrou uma maturidade enquanto empresa no mercado, justamente por termos passado por tantos problemas, abertura e fechamento de agências, 2 terremotos, entrada e saída de funcionários. Cheguei no fundo do poço emocionalmente, mas hoje sinto mais estável enquanto empresária.
O segundo plano é focar na venda de livros para que haja a tradução, sei que se atingir outras línguas, o número de leitores vai aumentar. Quero genuinamente que as pessoas conheçam a minha história que não desmascaro ou disfarço, ali é verdade pura. E quem sabe a o livro não vire um filme - sonhar alto não paga nada né? (risos)
Além disso, quero continuar mostrando este mundão para a minha filha através das nossas viagens e mochilões e apresentar a ela a delícia de se viver culturas diferentes - alemã através do pai; brasileira através da mãe; e kiwi, por ela ter nascido e morar aqui.
Texto Revista MBA